Em abril de 1994 foi o início da jornada para a “vida Kung Fu”, uma filosofia de vida, um modo
de se portar perante o mundo e a própria essência.
Já se passaram 30 anos desde que a decisão de seguir uma tradição ancestral, perpetuada por seis gerações, trouxe compreensões que transcendiam os espaços físicos e os momentos dedicados ao treino. Confesso que, nos primeiros dias, ao falar sobre minha academia – que não possuía paredes para exibir diplomas e medalhas, desprovida de equipamentos de ponta, e onde muitas vezes a prática se dava sem o uniforme tradicional, apenas absorvendo o momento presente – era desafiador compartilhar essa experiência com amigos, especialmente na adolescência.
O entusiasmo e a convicção de que aquele era o melhor lugar para treinar, a melhor escola que se poderia frequentar, não eram facilmente compreendidos por todos. Muitos passaram por lá sem ver o que eu via, mas a fé inabalável no processo, tal como os intermináveis minutos em “Sei Pin Ma”, abriram-me as portas para uma compreensão mais profunda do mundo, uma sabedoria que continua a guiar-me.
No caminho do guerreiro Kung Fu
São trinta anos de aprendizado contínuo, de aluno a discípulo, até a imensa honra de ser reconhecido como professor. Anos sob o olhar atento de um mestre que acompanhou cada passo, e outros tantos sob sua orientação à distância. Ensinar a tradição que não se vê com olhos comuns aos jovens foi mais um dos inúmeros aprendizados.
Sem dedicação, disciplina e fé no processo, as portas do verdadeiro local de treino, o “Nan Tien Men” – que significa “Portões Celestiais do Sul” –, permaneceriam cerradas. Embora o nome adornasse as camisetas, somente agora compreendo plenamente seu significado; aquela Associação, iniciada na Bolívia por um homem que, por um feliz acaso do destino, conheceu um grande mestre chinês durante uma quando este, em viagem diplomática, difundia o kung fu pela América do Sul.
O inicio do caminho do guerreiro Kung Fu
Daquele contato, espíritos guerreiros se reconheceram e o renomado mestre o transforma em seu discípulo. Um mundo à época desconectado, sem internet ou globalização, fisicamente dividido, agora se interligavam pelo ímpeto guerreiro e a semente do Choy Lee Fut passava a germinar fora da China. O destino quis que anos mais tarde, esse discípulo, agora transformado em mestre e um de seus alunos se estabelecessem no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro. O treino de ambos foi chamando a atenção de outras pessoas e eles passaram a compartilhar seus conhecimentos no caminho tradicional das artes marciais a jovens, em espaços improvisados e com poucos recursos, mas repletos de energia, seriedade e dedicação que conferiam verdadeiro significado ao que é tradicional.
Os resultados transcendiam os troféus conquistados nos campeonatos; manifestavam-se na convivência, nas ações além dos treinos. Afinal, os verdadeiros portais abrem-se para aquilo que transcende o terreno, o visível ou tangível. Por isso, o local de treino sempre foi o mundo inteiro; a faixa não está amarrada à cintura, mas sim, guardada como um tesouro no coração – aquele mesmo coração que, para os chineses, abriga o “shen” ou espírito, que sempre foi e sempre será o refúgio do guerreiro.
Dos ensinamentos no Kung Fu
Pois como dizia o Sifu Gio (Giovanni Antonietta): “Ser Kung Fu é ser melhor naquilo que você se propõe a fazer, seja sendo aluno, professor, filho, estudante, amigo, namorado, professor etc.”. Ou seja, o treino nunca foi para treinar pra lutas em campeonatos, mas em lutas pelo mundo na busca sempre pelo bom combate, por aquilo que faz de cada um algo melhor não para si, mas para os outros. É assim que os portão permanecem abertos para o celeste e para o que verdadeiramente importa.
Eterna gratidão a cada geração que nos precedeu, em especial ao Sikong Poon Sing (in memoriam), por acreditar na possibilidade de fazer florescer o espírito do kung fu em terras distantes. Gratidão ao Sifu Poon Way Sanches (@ernestorsan) por sua força e dedicação ao Kung Fu, por preservar os ensinamentos tão preciosos do Sikong. Meus agradecimentos também ao Sifu Giovanni Antonietta (@great_leopard) por compartilhar seu tempo com um grupo de adolescentes incansáveis e por prosseguir, muitas vezes solitariamente, na difusão do Choy Lee Fut e do legado de Poon Sing e Poon Way. Vocês são mais do que exemplos; são guerreiros e referências num mundo que, mesmo no âmbito das artes marciais, muitas vezes vê o dinheiro e o ego sobressaírem-se à integridade e ao respeito pelo caminho.
Agradecimentos
Um agradecimento também aos pais, esposas, filhos e todos aqueles que, por amor ou respeito, compreendem ou ao menos respeitam aquilo que nos é tão sagrado.
“Amanhã será melhor!”